Cardeal Sturla lidera oposição católica à legalização da eutanásia no Uruguai e Brasil

Publicado em out 6

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Cardeal Sturla lidera oposição católica à legalização da eutanásia no Uruguai e Brasil

A eutanásia volta à mesa dos debates legislativos nos países de tradição católica, mas a resistência religiosa ainda domina a narrativa. Enquanto o Cardeal Daniel Sturla, Arcebispo de Montevidéu, reforça a defesa da vida em entrevistas recentes, autoridades do Vaticano coordenam uma campanha global contra a prática. No Brasil, a força da Igreja Católica impede a aprovação de leis que já avançam em outras democracias, gerando um embate entre direitos individuais e preceitos religiosos.

Contexto histórico e religioso

Desde a colonização, o Brasil e o Uruguai têm raízes católicas profundas. Essa herança moldou a visão de que a vida, do nascimento à morte natural, pertence a Deus. Essa crença, transmitida de geração em geração, ainda orienta o voto dos parlamentares nas comissões de saúde. Em países como a Holanda ou a Bélgica, onde a secularização avançou, a eutanásia já é regulamentada; ainda assim, nesses mesmos lugares, grupos religiosos mantêm uma presença ativa nas discussões.

O Uruguai, historicamente mais liberal em questões de direitos civis, viu nos últimos anos um movimento crescente para propor um projeto de lei que permitiria a eutanásia em casos de sofrimento extremo. Contudo, a formação da opinião pública ainda está fortemente ancorada nos valores católicos, que consideram a prática um atentado à dignidade da vida.

A posição do Cardeal Daniel Sturla e da Igreja Católica

Em entrevista à Rádio Montecarlo na semana passada, o Cardeal Sturla deixou claro seu posicionamento. Ele declarou: "Nós, é claro, somos sempre defensores da vida, da proteção da vida, desde o momento da concepção até a morte natural. Acreditamos que isso é um erro e que também está jogando em uma questão que é fundamental para nós, uruguaios, dada a realidade do nosso país, que é sempre defender a vida."

Segundo analistas, a estratégia do Cardeal vai além da simples condenação moral; ele procura usar argumentos humanitários, destacando a importância de cuidados paliativos e suporte psicológico ao paciente terminal. Essa abordagem tenta suavizar a retórica, mas mantém o cerne da oposição: a vida é inviolável.

Paralelamente, a Igreja Católica tem elaborado documentos inter-religiosos que unem diferentes tradições cristãs contra a eutanásia e o suicídio assistido. O Vaticano, por meio da Cúria, tem distribuído esses textos para bispos ao redor do mundo, sinalizando uma coordenação sem precedentes.

Cenário legislativo no Uruguai e no Brasil

No Uruguai, o projeto de lei de 2024, ainda em discussão no Senado, pede que a decisão final pertença ao paciente, após avaliação por dois médicos e a aprovação de um comitê multidisciplinar. Contudo, o texto original carece de salvaguardas robustas — por exemplo, a inclusão obrigatória de psicólogos no processo — algo que a oposição religiosa tem usado como ponto de ataque.

Já no Brasil, a situação é mais complexa. Embora a Constituição assegure o direito à vida, não há previsão para a eutanásia, que permanece crime segundo o Código Penal. Projetos de lei apresentados em 2022 e 2023, como o PL 6.015/2022, foram arquivados após forte pressão de parlamentares católicos e de lideranças episcopais.

Especialistas apontam que, se o Congresso aceitar discutir novamente o tema, a exigência de avaliações multidisciplinares e de períodos de observação de 90 dias pode ser negociada. Eles acreditam que a presença de representantes religiosos nas comissões pode influenciar a inclusão de cláusulas que dificultem a prática.

Argumentos dos defensores da eutanásia

Argumentos dos defensores da eutanásia

Os grupos pró‑eutanásia argumentam que a autonomia do paciente deve prevalecer quando o sofrimento é intolerável. “É uma questão de dignidade humana,” afirma a diretora da ONG Vida com Dignidade, Ana Luíza Ferreira. Ela relata casos de pacientes com doenças neurodegenerativas que, apesar de receberem cuidados paliativos, sofrem dores físicas e psicológicas incessantes.

Além disso, citam países onde a prática já é regulamentada e não há aumento significativo de solicitações abusivas. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que, na Bélgica, menos de 2% dos casos de eutanásia são investigados por possíveis irregularidades.

Os críticos religiosos, no entanto, apontam que a “linha tênue” entre assistência médica e “ajuda ao suicídio” pode gerar riscos de coerção familiar ou pressões econômicas sobre pacientes vulneráveis.

Perspectivas e próximos passos

Analistas preveem que o Uruguai pode aprovar a lei já em 2026, se conseguir conciliar as exigências de salvaguarda propostas pelos parlamentares moderados. No Brasil, a mudança parece mais distante; ainda que haja um debate crescente nos tribunais superiores, a influência da Igreja Católica permanece alta, especialmente em estados com maior número de eleitores católicos.

Para os defensores da eutanásia, a estratégia agora inclui fortalecer a rede de cuidados paliativos e lançar campanhas de conscientização que mostrem que o apoio religioso não precisa ser incompatível com a compaixão ao enfermo. Enquanto isso, representantes do Vaticano prometem continuar a dialogar com governos, mas sem abrir mão da posição de que “a vida é um dom sagrado”.

Frequently Asked Questions

Como a Igreja Católica influencia a legislação sobre eutanásia no Brasil?

A Igreja mobiliza bispos, participa de audiências públicas e pressiona parlamentares por meio de redes de apoio. Em sessões legislativas, representantes eclesiásticos apresentam argumentos baseados na doutrina da sacralidade da vida, o que costuma fechar alianças com partidos conservadores e impedir a aprovação de projetos de lei que permitam a eutanásia.

Qual é a diferença entre suicídio assistido e eutanásia?

No suicídio assistido, o paciente recebe a substância letal e a administra por conta própria. Na eutanásia, o médico ou outro profissional de saúde executa o ato que leva à morte, geralmente por injeção intravenosa, após avaliação multidisciplinar.

Quais salvaguardas costumam ser exigidas nas leis de eutanásia?

As legislações mais avançadas pedem avaliação por dois médicos independentes, confirmação de diagnóstico terminal irrevogável, período de espera de no mínimo 15 dias e a presença obrigatória de um psicólogo ou psiquiatra para garantir que a decisão não seja fruto de depressão.

O que dizem os especialistas sobre o risco de abusos se a eutanásia for legalizada?

A maioria concorda que, com salvaguardas adequadas, o risco é baixo. Estudos na Holanda e na Bélgica mostram poucos casos de abuso comprovado. O maior medo está nos países onde a regulação seria fraca, o que poderia abrir espaço para pressões familiares ou econômicas sobre pacientes vulneráveis.

Qual o próximo passo para o debate sobre eutanásia no Uruguai?

O Senado deve votar a redação final do projeto ainda este ano. Se avançar, haverá intensa negociação para incluir as exigências de avaliações psicológicas e de comissões multidisciplinares, tentando equilibrar a pressão da Igreja com as demandas da sociedade civil.

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2 Comments

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    Ariadne Pereira Alves

    outubro 6, 2025 AT 02:40

    O debate sobre eutanásia traz à tona questões profundas sobre a dignidade da vida, sobre o papel do Estado e sobre a responsabilidade da comunidade médica, e, claro, sobre a influência da Igreja Católica que, historicamente, tem sido uma voz forte nessas discussões. É importante lembrar que, embora o Cardeal Sturla apresente argumentos humanitários, ele ainda se mantém firme na defesa da vida desde a concepção até a morte natural. Para quem busca compreender o tema, vale analisar as salvaguardas propostas em países como a Bélgica e a Holanda, onde há avaliações multidisciplinares rigorosas. Além disso, o fortalecimento de cuidados paliativos pode reduzir a pressão sobre pacientes em situação de sofrimento extremo. Portanto, um olhar equilibrado deve considerar tanto os direitos individuais quanto o impacto das convicções religiosas na esfera pública.

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    Pedro Washington Almeida Junior

    outubro 6, 2025 AT 05:27

    Não parece que a igreja tem tanto poder assim; o governo pode mudar a lei se quiser, basta pressão da sociedade. Muitos países já fizeram isso sem que a religião atrapalhasse. A gente precisa focar nos dados, não nas crenças. Se a maioria apoiar, a lei seguirá.

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