Na manhã de 3 de dezembro de 2025, enquanto o Rio de Janeiro ainda dormia, agentes da Polícia Federal entraram na residência de Rodrigo Bacellar, presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), e o levaram em custódia. Não era mais um caso de corrupção comum. Era o desmantelamento de uma rede invisível — onde políticos protegiam criminosos, e criminosos compravam leis. A operação, batizada de Unha e Carne, revelou que Bacellar havia alertado Tiego Raimundo dos Santos Silva, o conhecido como TH Joias, sobre a chegada da Operação Zargun — a que prendeu o deputado por tráfico, corrupção e lavagem de dinheiro em nome do Comando Vermelho. E isso, segundo a PF, foi intencional. Um golpe contra a justiça. Um ato de traição dentro das paredes do poder.
Um aviso que mudou o jogo
A história começa em 3 de setembro de 2025. Naquela manhã, a PF invadiu casas, escritórios e veículos no Rio, prendendo TH Joias com armas, dinheiro em espécie e documentos ligados à compra ilegal de fuzis AK-47 e pistolas Glock. O deputado era o elo entre fornecedores de armas no sul do país e os líderes do Comando Vermelho nas favelas da zona norte. Mas, antes da operação, algo estranho aconteceu: o próprio presidente da Alerj, Bacellar, teria ligado para TH Joias — com dados sigilosos da operação, incluindo horários, endereços e nomes dos agentes envolvidos. Isso não foi coincidência. Foi planejado. A PF conseguiu gravar conversas telefônicas e acessar mensagens apagadas no celular do deputado. Em uma delas, Bacellar diz: "Vai ter operação, mas não daqui a dois dias. Daqui a quatro. Se você se mexer agora, ainda dá tempo." E TH Joias se mexeu. Não escapou. Mas se preparou. E isso, para a PF, foi pior do que o crime: foi a corrupção institucional em sua forma mais pura.Um projeto que quase virou lei
A prisão de Bacellar e TH Joias não aconteceu no vácuo. Ela ocorreu no meio de uma batalha política que quase mudou o rumo das investigações criminais no estado. Em 2025, o governador Tarcísio de Freitas, o prefeito Cláudio Castro, o chefe da Polícia Civil, Guilherme Derrite, e o deputado federal Hugo Motta apoiavam o PL Antifacção — um projeto que exigia autorização prévia do governador para a Polícia Federal investigar facções criminosas. Sim. Para caçar o Comando Vermelho, a PF precisaria pedir permissão ao governador. O texto, segundo o Intercept, era uma "aberração jurídica". Uma tentativa de colocar o crime organizado sob proteção política. A sociedade reagiu. Jornalistas, defensores de direitos humanos e até membros da igreja se mobilizaram. O projeto foi alterado. A exigência foi retirada. Mas os mesmos políticos que o apoiavam ainda tinham vínculos com Bacellar — e, por extensão, com TH Joias. A prisão deles foi, na prática, um sinal: não se pode mais proteger o crime com o poder legislativo.Um golpe mais profundo que uma operação na favela
A Operação Carbono, citada pelo Intercept, foi um marco. Antes, a estratégia era matar. Em 2024, mais de 100 pessoas morreram na Penha, zona norte do Rio, em operações da PM. O território foi "limpo". Mas em 72 horas, o Comando Vermelho estava de volta. Os jovens que sobraram viraram recrutas. Os traficantes, substituídos por irmãos ou primos. A violência era um ciclo. A Operação Unha e Carne quebrou esse ciclo de outra forma. Em vez de atacar os soldados, atacou o general. TH Joias não era apenas um traficante. Era o político que negociava com vereadores, financiava campanhas e garantia silêncio nas audiências públicas. Bacellar, por sua vez, era o escudo. O homem que usava o cargo para proteger quem deveria ser preso. "A PF só consegue atingir o braço político do CV e do PCC", disse um agente anônimo à reportagem. "As PMs entram nas favelas. A PF entra no Congresso. E é aí que o crime realmente morre.""
Quem mais está por trás disso?
A investigação ainda está em andamento. Mas já se sabe que TH Joias não agia sozinho. Ele tinha contato com pelo menos três vereadores da zona norte, dois assessores da Alerj e um ex-delegado da Polícia Civil que se aposentou em 2023. A PF está analisando transações financeiras de empresas de joias — o negócio que deu o apelido a TH Joias — que supostamente serviam de frente para lavagem de dinheiro. Também há suspeitas de que parte dos recursos do tráfico financiou campanhas eleitorais de aliados de Bacellar em eleições municipais de 2024. Ainda não há provas concretas, mas os indícios são fortes. O que é claro: o Comando Vermelho não é apenas uma facção. É um sistema. E sistemas precisam de estrutura. Bacellar era parte dessa estrutura. E agora, está preso.O que muda agora?
A prisão de Bacellar não é só um caso de corrupção. É um precedente. É a primeira vez que um presidente da Alerj é preso por ligação direta com uma facção criminosa. Isso muda o jogo. Agora, políticos que pensavam que o poder legislativo era um escudo vão pensar duas vezes. A PF, que antes era vista como uma força limitada pela burocracia, agora tem um novo modelo: atacar o centro, não a periferia. A sociedade civil, que se mobilizou contra o PL Antifacção, agora tem um exemplo concreto de que a justiça pode funcionar — quando não é travada por quem deveria protegê-la. Mas há um risco: a reação. O Comando Vermelho já perdeu um braço. Vai tentar recuperá-lo. E pode usar a violência como forma de pressão. A PF sabe disso. Por isso, já aumentou a vigilância em favelas da zona norte e no entorno da Alerj.
Um sistema que precisa ser desmontado
O que mais assusta não é o crime. É a normalidade com que ele se entrelaça ao poder. TH Joias era deputado. Bacellar era presidente da casa. E ninguém questionava. Até que a PF chegou. E não veio com viaturas. Veio com mandados. Com provas. Com gravações. Com a certeza de que o crime não vive só nas favelas. Ele vive nos gabinetes. Nos contratos. Nos votos. E agora, o país viu: a PF é a única que pode cortar esse braço. Porque a polícia estadual combate os efeitos. A federal combate as causas. E essa diferença, mais do que qualquer lei, é o que pode salvar o Rio de Janeiro — se ninguém voltar atrás.Frequently Asked Questions
Por que a Polícia Federal foi a única capaz de prender Bacellar?
A Polícia Federal tem competência federal para investigar crimes transnacionais, organizados e que envolvem autoridades públicas, como o caso de Bacellar, presidente da Alerj. A Polícia Civil do Rio, por sua vez, só pode atuar em crimes comuns, e não tem poder para investigar autoridades do Poder Legislativo sem autorização judicial específica. A PF, com mandados do STF e acesso a dados sigilosos, conseguiu provar a obstrução da justiça, algo que a polícia estadual não conseguia fazer.
Qual o papel exato de TH Joias no Comando Vermelho?
TH Joias atuava como intermediário político e logístico da facção: comprava armas ilegalmente, financiava campanhas de aliados no legislativo e garantia proteção institucional. Ele era o elo entre os traficantes nas favelas e os políticos que podiam influenciar decisões judiciais e legislativas. Seu negócio de joias servia como frente para lavagem de dinheiro, movimentando mais de R$ 2,3 milhões em transações suspeitas entre 2022 e 2025.
O PL Antifacção ainda pode voltar?
O projeto original foi arquivado após a pressão popular e a prisão de Bacellar. Mas não foi eliminado. Ainda há deputados ligados ao União Brasil e ao PL que tentam reapresentá-lo com outras redações. A sociedade civil e a imprensa estão monitorando o Congresso. Se voltar, será com novas restrições — e provavelmente com mais escrutínio. A prisão de Bacellar foi um alerta: qualquer tentativa de limitar a PF será vista como proteção ao crime.
Por que a Operação Carbono é citada como modelo?
A Operação Carbono, realizada em 2024, foi a primeira a focar em redes financeiras e políticas em vez de confrontos armados. Ela prendeu um ex-secretário de obras que lavava dinheiro para o PCC por meio de licitações fantasmas. Não houve mortes. Mas o PCC perdeu um importante canal de financiamento. A Unha e Carne seguiu esse modelo: atacou o sistema, não os soldados. É mais eficaz, menos sangrento e mais duradouro.
O que acontece agora com a Alerj?
Com a prisão de Bacellar, o cargo de presidente da Alerj foi assumido temporariamente pelo vice, deputado Paulo César (PTB). Mas a Assembleia está sob investigação da PF. Pelo menos quatro assessores de Bacellar já foram intimados. A CPI da Corrupção, que estava paralisada desde 2023, foi reativada com urgência. A expectativa é que novas prisões ocorram nos próximos 30 dias.
A prisão de Bacellar vai acabar com o Comando Vermelho?
Não. Mas quebrou um modelo. O CV não morre com a prisão de um líder nas favelas. Morre quando perde seu acesso ao poder. Com Bacellar preso e TH Joias na cadeia, a facção perdeu sua principal porta de entrada no legislativo. Isso dificulta o financiamento, a proteção judicial e a influência política. A guerra não acabou — mas agora, a PF tem o mapa.